O autor inicia seu artigo questionando como os usos e significados do espaço e do tempo mudaram com a transição do fordismo para a acumulação flexível. Sugere que temos vivido nas duas últimas décadas (observação: o texto é de 1989) uma intensa fase de compressão do tempo-espaço, geradora de um grande impacto nas práticas político-econômicas, no equilíbrio do poder de classe e na vida social e cultural. Também observa a volta do interesse pela teoria geopolítica a partir de mais ou menos 1970, o retorno da estética do lugar e uma propensão revigorada (mesmo na teoria social) a abrir o problema da espacialidade a uma reconsideração geral.
A transição para a acumulação flexível trouxe novas formas organizacionais e de novas tecnologias produtivas. A aplicação das novas tecnologias contribuiu muito na superação da
rigidez do fordismo e na aceleração do tempo de giro, desde a crise aberta em 1973. A aceleração na produção foi alcançada por mudanças organizacionais tais como subcontratação, transferência de sede etc., que reverteram a tendência fordista de integração vertical, produzindo um caminho cada vez mais indireto na produção, mesmo diante da crescente centralização financeira. Outras mudanças como o sistema de entrega "just-in-time", que reduz os estoques, associado a produção em pequenos lotes, diminuiram os tempos de giro em muitos setores da produção (eletrônica, máquinas-ferramenta, automóveis, construção, vestuário etc.). Para os trabalhadores, tudo isso implicou uma intensificação dos processos de trabalho e uma aceleração na desqualificação e requalificação necessárias ao atendimento de novas necessidades de trabalho.
A aceleração do tempo de giro na produção envolve acelerações paralelas na troca e no consumo. Sistemas aperfeiçoados de comunicação e de fluxo de informações, associados com racionalizações nas técnicas de distribuição, possibilitaram a circulação de mercadorias no mercado a uma velocidade maior. Os bancos eletrônicos e o dinheiro de plástico foram algumas das inovações que aumentaram a rapidez do fluxo de dinheiro inverso. Serviços e mercados financeiros também foram acelerados.
Na arena do consumo, dois fatores têm particular importância. A mobilização da moda em mercados de massa (em oposição a mercados de elite) fornecendo um meio de acelerar o ritmo do consumo não somente em termos de roupas, ornamentos e decoração, mas também influindo em estilos de vida e atividades de recreação (hábitos de lazer e de esporte, estilos de música pop, videocassetes e jogos infantis etc.) e a passagem do consumo de bens para o consumo de serviços - não apenas serviços pessoais, comerciais, educacionais e de saúde, como também de diversão, de espetáculos, eventos e distrações. O "tempo de vida" desses serviços é bem menor do que o de um automóvel ou de uma máquina de lavar. Como há limites para a acumulação e para o giro de bens físicos, faz sentido que os capitalistas se voltem para o fornecimento de serviços bastante efêmeros em termos de consumo.
Uma conseqüência importante dessa aceleração generalizada dos tempos de giro do capital foi acentuar a volatilidade e efemeridade de modas, produtos, técnicas de produção, processos de trabalho, idéias e ideologias, valores e práticas estabelecidas.
No domínio da produção de mercadorias, o efeito primário foi a ênfase nos valores e virtudes da instantaneidade (alimentos e refeições instantâneos e rápidos e outras comodidades) e da descartabilidade (xícaras, pratos, talheres, embalagens, guardanapos, roupas etc.). A dinâmica de uma
sociedade "do descarte", como a apelidaram escritores como Alvin Toffler (1970), começou a ficar evidente durante os anos 60. Ela significa mais do que jogar fora bens produzidos (criando um monumental problema sobre o que fazer com o lixo); significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e ser.
Por intermédio desses mecanismos as pessoas foram forçadas a lidar com a descartabilidade, a novidade e as perspectivas de obsolescência instantânea, fornecendo um contexto para a "quebra do consenso" e para a diversificação de valores numa sociedade em vias de fragmentação.
As respostas psicológicas identificadas por
Simmel em relação aos problemas da vida urbana modernista na virada do século - o bloqueio dos estímulos sensoriais, a negação e o cultivo da atitude blasée, a especialização míope, a reversão a imagens de um passado perdido (daí decorrendo a importância de memoriais, museus, ruínas) e a excessiva simplificação (na apresentação de si mesmo ou na interpretação dos eventos) se enquadram de certa forma no período que vivemos. Toffler, num momento bem ulterior da compressão do tempo-espaço, faz eco ao pensamento de Simmel, cujas idéias foram moldadas num período de trauma semelhante há mais de setenta anos.
A volatilidade torna extremamente difícil qualquer planejamento de longo prazo, gerando ou uma alta adaptação e capacidade de se movimentar com rapidez em resposta a mudanças de mercado, ou o planejamento da volatilidade. A primeira estratégia, bastante utilizada pela administração norte-americana nos últimos anos, aponta para o planejamento de curto prazo e para a obtenção de ganhos imediatos sempre que possível. O mandato médio dos dirigentes das empresas caiu para cinco anos, e empresas nominalmente envolvidas na produção com freqüência buscam ganhos de curto prazo por meio de fusões, aquisições ou operações em mercados financeiros e de moedas. É considerável a tensão do desempenho gerencial num tal ambiente, gerando todo tipo de efeito colateral, próxima da espécie de mentalidade esquizofrênica que Jameson descreve.
Dominar ou intervir ativamente na produção da volatilidade envolvem, por outro lado, a manipulação do gosto e da opinião, seja tornando-se um líder da moda ou saturando o mercado com imagens que adaptem a volatilidade a fins particulares. Isso significa, em ambos os casos, construir novos sistemas de signos e imagens, um aspecto importante da condição pós-moderna, que precisa ser considerado de vários ângulos distintos. Para começar, a publicidade e as imagens da mídia passaram a ter um papel muito mais integrador nas práticas culturais, tendo assumido agora uma importância muito maior na dinâmica de crescimento do capitalismo, voltando-se cada vez mais para a manipulação dos desejos e gostos mediante imagens que podem ou não ter relação com o produto a ser vendido.
As imagens se tomaram, em certo sentido, mercadorias. Esse fenômeno levou
Baudrillard (1981) a alegar que a análise marxiana da produção de mercadorias está ultrapassada, porque o capitalismo agora tem preocupação predominante com a produção de signos, imagens e sistemas de signos, e não com as próprias mercadorias. Do mesmo modo, muitas imagens podem ser vendidas em massa instantaneamente no espaço. A efemeridade e a comunicabilidade instantânea no espaço tornam-se virtudes a ser exploradas e apropriadas pelos capitalistas para os seus próprios fins.
Mas as imagens têm de desempenhar outras funções. Tanto as corporações como os governos e os líderes intelectuais e políticos valorizam uma imagem estável (embora dinâmica) como parte de sua aura de autoridade e poder. A mediatização da política passou a permear tudo. A produção e venda dessas imagens de permanência e de poder requerem uma sofisticação considerável, porque é preciso conservar a continuidade e a estabilidade da imagem enquanto se acentuam a adaptabilidade, a flexibilidade e o dinamismo do objeto, material ou humano, da imagem. Além disso, a imagem se torna importantíssima na concorrência, não somente em torno do reconhecimento da marca, como em termos de diversas associações com esta - "respeitabilidade", "qualidade", "prestígio", "confiabilidade" e "inovação".
A competição no mercado da construção de imagens passa a ser um aspecto vital da concorrência entre as empresas. O sucesso é tão claramente lucrativo que o investimento na construção da imagem (patrocínio das artes, exposições, produções televisivas e novos prédios, bem como marketing direto) se torna tão importante quanto o investimento em novas fábricas e maquinário. A aquisição de uma imagem (por meio da compra de um sistema de signos como roupas de griffe e o carro da moda) se torna um elemento singularmente importante na auto-apresentação nos mercados de trabalho e, por extensão, passa a ser parte integrante da busca de identidade individual, auto-realização e significado na vida. Consultorias de imagem pessoal viraram um grande negócio na cidade de Nova Iorque, através de cursos de empresas com lemas como "As pessoas formam uma idéia de você, hoje em dia, em um décimo de segundo" ou "Você deve fingir até conseguir".
É claro que símbolos de riqueza, de posição, de fama e de poder, assim como de classe, sempre tiveram importância na sociedade burguesa, mas é provável que nunca tanta quanto hoje.
Os materiais de produção e reprodução dessas imagens, quando estas não estão disponíveis, tomaram-se eles mesmos o foco da inovação - quanto melhor a réplica da imagem, tanto maior o mercado de massas da construção da imagem pode tornar-se. Isso constitui por si só uma questão importante, levando-nos de modo mais explícito a considerar o papel do "
simulacro" no pós-modernismo. Por "simulacro" designa-se umestado de réplica tão próxima da perfeição que a diferença entre o original e a cópia é quase impossível de ser percebida. Com as técnicas modernas, a produção de imagens como simulacros é relativamente fácil. Na medida em que a identidade depende cada vez mais de imagens, as réplicas seriais e repetitivas de identidade (individuais, corporativas, institucionais e políticas) passam a ser uma possibilidade e um problema bem reais.
Mas há muitos domínios mais tangíveis em que o simulacro tem papel significativo. Com os modernos materiais de construção, é possível reproduzir prédios antigos com uma exatidão que toma duvidosas a autenticidade ou a origem. A fabricação de antiguidades e de outros objetos de arte é totalmente possível, tornando a fraude sofisticada um sério problema no negócio das coleções de arte. Por conseguinte, possuímos não apenas a capacidade de empilhar imagens do passado ou de outros lugares de modo eclético e simultâneo na tela da televisão, como até de transformar essas imagens em simulacros materiais na forma de ambientes, eventos e espetáculos etc. construídos que se tornam, em muitos aspectos, indistinguíveis dos originais.
A organização e as condições de trabalho vigentes naquilo que podemos designar de maneira ampla como "indústria da produção de imagens" também são deveras especiais. O aumento da produção cultural foi de fato fenomenal, tanto no crescimento do número de artistas quanto na enorme quantidade de obras de arte criadas. Quanto a isto,
Daniel Bell (1978, 20) acrescenta o que chama de "a massa cultural"
Toda essa indústria se especializa na aceleração do tempo de giro por meio da produção e venda de imagens. Trata-se de uma indústria em que reputações são feitas e perdidas da noite para o dia, onde o grande capital fala sem rodeios e onde há um fermento de criatividade intensa, organizando as manias e modas, produzindo a própria efemeridade que sempre foi fundamental para a experiência da modernidade.
Podemos vincular a dimensão esquizofrênica da pós-modernidade que Jameson destaca com acelerações dos
tempos de giro na produção, na troca e no consumo, que produzem, por assim dizer, a perda de um sentido do futuro, exceto e na medida em que o futuro possa ser descontado do presente. A volatilidade e a efemeridade também tornam difícil manter qualquer sentido firme de continuidade.
Baudrillard (1986), considera os Estados Unidos uma sociedade tão entregue à velocidade, ao movimento, às imagens cinematográficas e aos reparos tecnológicos que gerou uma crise de lógica explicativa. Eles representam, ao seu ver, "o triunfo do efeito sobre a causa, da instantaneidade sobre a profundidade do tempo, o triunfo da superfície e da pura objetificação sobre a profundidade do desejo". Esse é, com efeito, o tipo de ambiente em que o desconstrucionismo pode florescer. Nessa circunstância, o contrato temporário inerente a tudo se torna, como observa Lyotard, a marca da vida pós-moderna.
Surgem também questões mais profundas de significado e interpretação. Quanto maior a efemeridade/ tanto maior a necessidade de descobrir ou produzir algum tipo de verdade eterna que nela possa residir. O revivalismo religioso, que se tornou muito mais forte a partir do final dos anos 60, e a busca de autenticidade de autoridade na política são casos pertinentes. O retorno do interesse por instituições básicas (como a família e a comunidade) e a
busca de raízes históricas são indícios da procura de hábitos mais seguros e valores mais duradouros num mundo cambiante. Fotografias, objetos específicos (como um piano, um relógio, uma cadeira) e eventos particulares" (uma certa canção tocada ou cantada) se tornam o foco de uma lembrança contemplativa e, portanto, um gerador de um sentido do eu que está além da sobrecarga sensorial da cultura e da moda consumista. A casa se torna um museu privado que protege do furor da compressão do tempo-espaço.
Além disso, ao mesmo tempo em que o pós-modernismo proclama a "morte do autor" e a ascensão da
arte anti-áurica no domínio público, o mercado da arte se torna cada vez mais consciente do poder monopolista da assinatura do artista e de questões de autenticidade e fraude.
Não foram menos traumáticos os ajustes espaciais. Os sistemas de comunicação por satélite implantados a partir do início da década de 70 tornaram o custo unitário e o tempo da comunicação invariantes com relação à distância. Custa o mesmo a comunicação com uma distância de 800 quilômetros e de 8.000 via satélite. As taxas de frete aéreo de mercadorias também caíram dramaticamente, enquanto a conteinerização reduziu o custo do transporte rodoviário e marítimo pesado. A televisão de massa associada com a comunicação por satélite possibilita a experiência de uma enorme gama de imagens vindas de espaços distintos quase simultaneamente, encolhendo os espaços do mundo numa série de imagens de uma tela de televisão, enquanto o turismo em massa, filmes feitos em locações espetaculares tornam uma ampla gama de experiências simuladas ou vicárias daquilo que o mundo contém acessível a muitas pessoas. A imagem de lugares e espaços se torna tão aberta à produção e ao uso efêmero quanto qualquer outra.
Em suma, testemunhamos outra difícil rodada do processo de
aniquilação do espaço por meio do tempo que sempre esteve no centro da dinâmica capitalista.
Mas a queda de barreiras espaciais não implica o decréscimo da significação do espaço. O aumento da competição em condições de crise coagiu os capitalistas a darem muito mais atenção às vantagens localizacionais relativas, precisamente porque a diminuição de barreiras espaciais dá aos capitalistas o poder de explorar, com bom proveito, minúsculas diferenciações espaciais. Pequenas diferenças naquilo que o espaço contém em termos de oferta de trabalho, recursos, infra-estruturas etc. assumem crescente importância. A mobilidade geográfica e a descentralização são usadas contra um poder sindical que se concentrava tradicionalmente nas fábricas de produção em massa. A fuga de capitais, a desindustrialização de algumas regiões e a industrialização de outras e a destruição de comunidades operárias tradicionais como bases de poder na luta de classes se tornam o pivô na transformação espacial sob condições de acumulação mais flexíveis.
Embora o controle do trabalho sempre seja central, há muitos outros aspectos de organização geográfica que assumiram uma nova proeminência sob condições de acumulação mais flexível. A necessidade de informações precisas e comunicações rápidas enfatizou o papel das chamadas "cidades mundiais" no sistema financeiro e corporativo (centros equipados com teleportos, aeroportos, ligações de comunicação fixas, bem como com um amplo conjunto de serviços financeiros, legais, comerciais e infra-estruturais). A diminuição de barreiras espaciais resulta na reafirmação e realinhamento hierárquicos no interior do que é hoje um sistema urbano global. A disponibilidade local de recursos materiais de qualidades especiais, ou mesmo a custos marginalmente inferiores, começa a assumir crescente importância, o mesmo ocorrendo com variações locais de gosto do mercado, hoje exploradas com mais facilidade em condições de produção em pequenos lotes e de flexibilidade de apresentação. As diferenças locais de capacidade de empreendimento, capital para associações, conhecimento técnico e científico e de atitudes sociais também contam, enquanto as redes locais de influência e de poder e as estratégias de acumulação das elites dirigentes locais (em oposição às políticas da nação-Estado) também se tornam implicadas de maneira mais profunda no regime de acumulação flexível.
Se os capitalistas se tornam cada vez mais sensíveis às qualidades espacialmente diferenciadas de que se compõe a geografia do mundo, é possível que as pessoas e forças que dominam esses espaços os alterem de um modo que os torne mais atraentes para o capital altamente móvel.
O paradoxo central da questão é: quanto menos importantes as barreiras espaciais, tanto maior a sensibilidade do capital às variações do lugar dentro do espaço e tanto maior o incentivo para que os lugares se diferenciem de maneiras atrativas ao capital. O resultado tem sido a produção da fragmentação/ da insegurança e do desenvolvimento desigual efêmero no interior de uma economia de fluxos de capital de espaço global altamente unificado. A tensão histórica dentro do capitalismo entre centralização e descentralização tem sido trabalhada agora de novas maneiras. A extraordinária descentralização e proliferação da produção industrial termina por expor produtos Benetton ou Laura Ashley em quase todos os shoppings serialmente produzidos do mundo capitalista avançado.
A geografia da desvalorização por meio da desindustrialização, do aumento do desemprego local, da redução fiscal, do cancelamento de ativos locais ou coisa parecida é de fato um quadro lamentável. Mas podemos ao menos ver a sua lógica no âmbito da busca de uma solução para o problema da superacumulação mediante o impulso para sistemas flexíveis e mais móveis de acumulação. Há, porém, razões a priori para suspeitar (bem como algumas provas materiais para sustentar a idéia) de que regiões de agitação e fragmentação máximas também são regiões que parecem melhor preparadas para sobreviver aos traumas da desvalorização no longo prazo. Há mais do que um indício de que uma pequena desvalorização agora é melhor do que uma desvalorização generalizada mais tarde.
Nenhuma dessas mudanças na experiência do espaço e do tempo faria o sentido que faz ou teria o impacto que tem sem uma modificação radical da maneira como o valor é representado como moeda. Embora domine há muito tempo, a moeda nunca foi uma representação clara ou patente do valor e, em certas ocasiões, se torna tão confusa que vem a constituir ela mesma uma fonte importante de insegurança e incerteza.
A questão de saber como o valor deve ser representado agora, que forma a moeda deve assumir e que sentido pode ser atribuído às várias formas de meios de pagamento disponíveis nunca esteve longe da superfície de preocupações recentes. A partir de 1973, a moeda se "desmaterializou", isto é, ela já não tem um vínculo formal ou tangível com metais preciosos (embora estes tenham continuado a desempenhar um papel de forma potencial de dinheiro entre muitas outras) ou, quanto a isso, com qualquer outra mercadoria tangível. Do mesmo modo, ela não se apóia exclusivamente na atividade produtiva
dentro de um espaço particular. Pela primeira vez na história, o mundo passou a se apoiar em formas imateriais de dinheiro — isto é, dinheiro registrado avaliado quantitativamente em números de alguma unidade monetária designada (dólares, ienes, marcos alemães, libras esterlinas etc.).
As taxas de câmbio entre as diferentes unidades monetárias do mundo também têm sido extremamente voláteis. Fortunas podem ser perdidas ou feitas apenas por se ter a unidade monetária correta nas fases certas. A questão de qual moeda mantenho comigo tem uma ligação direta com o lugar em que confio. Isso pode ter alguma relação com a posição econômica competitiva e o poder de diferentes sistemas nacionais. Esse poder, levando-se em conta a flexibilidade da acumulação no espaço, é ele mesmo uma magnitude passível de mudar rapidamente. O efeito disso é tornar os espaços que fundamentam a determinação do valor tão instáveis quanto o próprio valor. A desvinculação entre o sistema financeiro e a produção ativa e a base monetária material põe em questão a confiabilidade do mecanismo básico mediante o qual se supõe que o valor seja representado.
Essas dificuldades têm estado presentes de maneira mais forte no processo de desvalorização da moeda, a medida do valor, devido à inflação. As taxas de inflação equilibradas da era
fordista-keynesiana (em geral na faixa de 3 e raramente acima de 5) foram perturbadas a partir de 1969, acelerando-se em todos os grandes países capitalistas no decorrer dos anos 70, onde alcançaram números de dois dígitos. Em conseqüência, o dinheiro se tornou inútil como meio de armazenamento de valor por qualquer período de tempo (a taxa real de juros, medida como a taxa monetária de juros menos a taxa de inflação, foi negativa por vários anos na década de 70, privando os poupadores do valor que pretendiam preservar).
Era necessário descobrir meios alternativos para proteger o valor de maneira eficaz. Assim, começou a vasta inflação de certos tipos de ativos reais — contas a receber, objetos de arte, antiguidades, imóveis etc. Comprar um Degas ou um Van Gogh em 1973 por certo superaria quase todo outro tipo de investimento em termos de ganho de capital.
O colapso do dinheiro como meio seguro de representação do valor criou por si só uma crise de representação no capitalismo avançado. Ele também foi reforçado, ao mesmo tempo em que lhes acrescentou seu peso considerável, pelos problemas de compressão do espaço-tempo antes identificados. A rapidez com que os mercados de moedas flutuam nos espaços do mundo, o extraordinário poder do fluxo de capital-dinheiro no que é agora um mercado financeiro e de ações global e a volatilidade daquilo que o poder de compra do dinheiro poderia representar definem, por assim dizer, um ponto alto da intersecção extremamente problemática do dinheiro, do tempo e do espaço como elementos entrelaçados de poder social na economia política da pós-modernidade.
Além disso, não é difícil perceber que tudo isso pode criar uma crise mais geral de representação. O sistema central de valor, a que o capitalismo sempre recorreu para validar e avaliar suas ações, está desmaterializado e inconstante, e os horizontes temporais estão ruindo, sendo difícil dizer exatamente em que espaço nos encontramos quando se trata de avaliar causas e efeitos, significados ou valores. A intrigante exibição do Centro Pompidou, em 1985, sobre "
O Imaterial" (uma exposição em que ninguém menos que Lyotard agiu como um dos consultores), foi talvez uma imagem especular da dissolução das representações materiais do valor em condições de acumulação mais flexível, bem como das confusões relativas ao que poderia significar dizer, com Paul Virilio, que o tempo e o espaço desapareceram como dimensões significativas do pensamento e da ação humanos.
Há, admito, formas mais tangíveis e materiais do que essa para avaliar a significação do espaço e do tempo para a condição da pós-modernidade. Por exemplo, seria possível considerar de que modo a experiência em mutação do espaço, do tempo e do dinheiro compôs uma base material distinta para a ascensão de sistemas distintos de interpretação e de representação, assim como abriu um caminho mediante o qual a estetização da política poderia reafirmar-se uma vez mais. Se vemos a cultura como um complexo de signos e significações (incluindo a linguagem) que origina códigos de transmissão de valores e significados sociais, podemos ao menos iniciar a tarefa de desvelar suas complexidades nas condições atuais mediante o reconhecimento de que o dinheiro e as mercadorias são eles mesmos os portadores primários de códigos culturais. Como o dinheiro e as mercadorias dependem inteiramente da circulação do capital, segue-se que as formas culturais têm firmes raízes no processo diário de circulação do capital.
A aniquilação do espaço por meio do tempo modificou de modo radical o conjunto de mercadorias que entra na reprodução diária. Inúmeros sistemas locais de alimentação foram reorganizados por intermédio de sua
incorporação à troca global de mercadorias.
Esse mesmo fenômeno é explorado em palácios da diversão como Epcot e Disneyworld; torna-se possível, como dizem os comerciais americanos, “viver o Velho Mundo por um dia ser ter de estar lá de fato’”. A implicação geral é de que, por meio da experiência de tudo – comida, hábitos culinários, música, televisão, espetáculos e cinema -, hoje é possível
vivenciar a geografia do mundo vicariamente, como um simulacro. O entrelaçamento de simulacros da vida diária reúne no mesmo espaço e no mesmo tempo diferentes mundos (de mercadorias). Mas ele o faz de tal modo que oculta de maneira quase perfeita quaisquer vestígios de origem, dos processos de trabalhos que os produziram ou das relações sociais implicadas em sua produção. O simulacro, por sua vez, pode tomar-se a realidade. Baudrillard (1986) vai ainda mais longe em América, um tanto exageradamente ao meu ver, sugerindo que a realidade norte-americana é hoje construída como uma tela gigantesca: "O cinema está em toda parte, principalmente na cidade, filme e cenário incessantes e maravilhosos". Lugares retratados de certa maneira, em particular se têm a capacidade de atrair turistas, podem começar a "se vestir" segundo as prescrições das imagens-fantasia. Castelos medievais oferecem fins de semana medievais (comida e roupas, mas não, é claro, os sistemas primitivos de aquecimento). A participação vicária nesses vários mundos tem efeitos reais nos modos como eles são ordenados e Charles Jencks (1984, 127) propõe que o arquiteto seja um participante ativo nisso.
A débil coesão de culturas de rua divergentes nos espaços fragmentados da cidade contemporânea reenfatiza os aspectos contingentes e acidentais dessa "alteridade" na vida cotidiana. Essa mesma sensibilidade está presente na ficção pós-moderna. Ela se preocupa, diz
McHale (1987), com "ontologias", com uma pluralidade potencial e real de universos, formando uma eclética e "anárquica paisagem de mundos no plural". Personagens confusas e distraídas vagueiam por esses mundos sem um claro sentido de localização, imaginando: "Em que mundo estou e qual das minhas personalidades exibo?" A nossa paisagem ontológica pós-moderna, sugere McHale, "não tem precedentes na história humana — ao menos no grau de seu pluralismo”. Espaços de universo bem diferentes parecem decair uns nos outros, mais ou menos da mesma forma como as mercadorias do mundo são agregadas no supermercado e como toda espécie de subcultura se justapõe na cidade contemporânea. A espacialidade disruptiva triunfa sobre a coerência da perspectiva e da narrativa na ficção pós-moderna, exatamente da mesma forma como cervejas importadas coexistem com as locais, o emprego local vem abaixo sob o peso da competição estrangeira e todos os espaços divergentes do mundo são montados toda noite como uma colagem de imagens na tela da televisão.
Parece haver dois efeitos sociológicos divergentes disso tudo no pensamento e na ação diários. O primeiro sugere que se tire vantagem de todas as possibilidades divergentes, mais ou menos como Jencks recomenda, cultivando-se toda uma série de simulacros como espaços de escape, de fantasia e de distração.
A ficção pós-moderna mimetiza alguma coisa (McHale), assim como a efemeridade, a colagem, a fragmentação e a dispersão no pensamento filosófico e social mimetizam as condições da acumulação flexível, e tudo isso é compatível com a emergência, a partir de 1970, de uma política fragmentada de grupos de interesse regionais e especiais divergentes. A reação oposta é a busca de uma identidade coletiva ou pessoal, a procura de comportamentos seguros num mundo cambiante. A identidade de lugar se torna uma questão importante nessa colagem de imagens superpostas, porque cada um ocupa um espaço de individuação (um corpo, um quarto, uma casa, uma comunidade plasmadora, uma nação) e porque o modo como nos individuamos molda a identidade. O vínculo potencial entre lugar e identidade social é reforçado pela capacidade da maioria dos movimentos sociais, de dominar melhor o lugar do que o espaço. Os conseqüentes dilemas dos movimentos socialistas ou operários diante de um capitalismo universalizante são compartilhados por outros grupos de oposição — minorias raciais, povos colonizados, mulheres etc. —, que são relativamente fortes em termos de organização no lugar, mas frágeis no tocante à organização no espaço. A identidade dependente do lugar torna os movimentos de oposição presas da mesma fragmentação que a acumulação flexível alimenta. A oposição vinculada ao lugar não pode suportar sozinha a carga da mudança histórica. Agora, como nos anos 60, podemos afirmar: "Pense globalmente e aja localmente" . É difícil manter qualquer sentido de continuidade histórica diante de todo o fluxo e efemeridade da acumulação flexível. A ironia é que a tradição é agora preservada com freqüência ao ser mercadificada e comercializada como tal. A busca de raízes termina sendo produzida e vendida como imagem, como um simulacro ou pastiche. A fotografia, o documento, a vista e a reprodução se tornam história exatamente devido à sua presença avassaladora. A tradição histórica é reorganizada como cultura de museu, do modo como as coisas um dia foram feitas, vendidas, consumidas e integradas numa vida cotidiana há muito perdida e com freqüência romantizada. Por meio da apresentação de um passado parcialmente ilusório, torna-se possível dar alguma significação à identidade local, talvez com algum lucro. O esforço de construção qualitativa do lugar e dos seus significados é compatível com a idéia de diferenciações espaciais como atrativos para um capital que atribui enorme valor à mobilidade. A construção de lugares para viver, consumir e sentir-se seguro permite a construção de algum sentido limitado e limitador de identidade no turbilhão de uma colagem de espacialidades implosivas. A tensão presente na oposição entre as duas situações acima descritas é bem clara, mas é difícil apreciar suas ramificações intelectuais e políticas. Harvey ilustra a questão com um relato de Foucault sobre um estudo de que participara, junto com arquitetos, em 1966, sobre
heterotopias, espaços singulares presentes em alguns espaços sociais dados cujas funções são diferentes ou mesmo opostas às de outros. A questão de prevalência das dimensões do tempo e do espaço eram comparadas em relação aos contextos político-sociais.
As imagens espaciais, liberadas de suas raízes tornam-se um meio de descrever as forças da determinação social. Jameson (1988, 351), por sua vez, vê as "peculiaridades espaciais do pós-modernismo como sintomas e expressões de um dilema novo e historicamente original, dilema que envolve a nossa inserção como sujeitos individuais num conjunto multidimensional de realidades radicalmente descontínuas, cujas estruturas vão dos espaços ainda sobreviventes da vida privada burguesa ao descentramento inimaginável do próprio capitalismo global, incluindo tudo que há entre eles. (...) ... esse processo se faz sentir pela chamada morte do sujeito ou, mais exatamente, pelo descentramento e dispersão esquizofrênicos e fragmentados deste último... esses dilemas políticos urgentes são, todos eles, funções imediatas do espaço internacional novo, extremamente complexo, que tenho em mente."

A condição atual é semelhante, em termos qualitativos, à que levou à Renascença e a várias reconceitualizações modernistas do espaço e do tempo. Se perdemos a fé modernista no vir-a-ser, haverá alguma saída afora a política reacionária de uma espacialidade estetizada? Pior ainda, se a produção estética se tornou hoje completamente mercadificada, sendo por isso efetivamente submetida a uma economia política de produção cultural, que possibilidades temos de impedir que esse círculo se feche numa estetização produzida, e, portanto, manipulada com demasiada facilidade, de uma política globalmente mediatizada? Isso nos alerta para os graves perigos geopolíticos associados nos últimos anos à rapidez da compressão do tempo-espaço. A transição do fordismo para a acumulação flexível deveria implicar uma transição dos nossos mapas mentais e das nossas atitudes e instituições políticas. O pensamento político, contudo está sujeito às pressões contraditórias que advêm da integração e da diferenciação espaciais. Há sinais abundantes de que o localismo e o nacionalismo se tornaram mais fortes justamente por causa da busca da segurança que o lugar sempre oferece em meio a todas as transformações que a acumulação flexível implica. A ressurreição da geopolítica e da fé na política carismática (a Guerra das Falklands/Malvinas, de Thatcher; de Granada, de Reagan) se enquadra bem num mundo que é nutrido cada vez mais por um vasto fluxo de imagens efêmeras. A compressão do tempo-espaço sempre altera nossa capacidade de lidar com as realidades que se revelam à nossa volta. A realidade é antes criada do que interpretada em condições de tensão e de compressão do tempo-espaço. Os mercados financeiros mundiais se encontram numa situação que torna um julgamento apressado aqui, uma palavra impensada ali e uma reação instintiva acolá a gota d'água que pode fazer vir abaixo toda a estrutura da formação do capital fictício e da interdependência. A intensidade da compressão do tempo-espaço no capitalismo ocidental a partir dos anos 60, com todos os seus elementos congruentes de efemeridade e fragmentação excessivas no domínio político e privado, bem como social, parece de fato indicar um contexto experiencial que confere à condição da pós-modernidade o caráter de algo um tanto especial. Contudo, situando essa condição em seu contexto histórico, como parte de uma história de ondas sucessivas de compressão do tempo-espaço geradas pelas pressões da acumulação do capital — com seus perpétuos esforços de aniquilação do espaço por meio do tempo e de redução do tempo de giro —, podemos ao menos levá-la para o âmbito de condição acessível à análise e interpretação materialista histórica.

Bibliografia